ARTE E VIDA!



A partir dessa semeadura inicial, passemos então, à moagem possível, à luz da visão Nietzschiana, da peça “Memória da Cana” adaptada, de Nelson Rodrigues, da mostra “o Retorno do Desejo Proibido”, de Louise Bourgeois e do filme “O Clube da Luta”.

Tendo considerado, basicamente, as duas visões de Nietzsche em torno da arte, uma primeira esculpida no livro “O Nascimento da Tragédia” (1872) e outra na obra “A Gaia Ciência” (1882), avaliemos, tanto quanto possível, os gritos do filósofo. Em determinado momento, Nietzsche nos encaminha à duas concepções: a “imaginação figurativa” e a “potência emocional”. Nesse sentido, há que se notar que a primeira concepção está associada às imagens artísticas, enquanto que a segunda irradia-se na musicalidade, na poeticidade ou no encantamento que as obras de arte nos proporcionam, ou até mesmo à poeticidade que emana dela própria, como se a obra falasse por si, tivesse um algo de encantado que desse vida à si própria, enquanto objeto concreto, simbólico ou figurativo.

Sendo assim, podemos perceber que, tanto o filme, quanto a mostra, quanto a peça, inserem-se nesse contexto Nietzschiano, saltando da mera situação de entretenimento para uma condição de arte reflexiva, imbuída de contextos psicanalíticos, filosóficos, permeados pelo sensível. As três obras preparam o terreno, dando forma figurativa ao sêmen que fará brotar, pela potência emocional, a força de uma afetação, gerando conversões subjetivas no espectador receptivo, aberto a novos contextos e percepções.

Talvez, arrisco dizer, seria possível inferir que, diante das situações inscritas nas obras, há de haver um estranhamento, um incômodo ou uma inquietação quando se toma contato, mesmo que de forma inconsciente, com situações que estão relacionadas aos recalques sociais, à embriagues psíquica de circunstâncias como o eterno - “retorno invencível do desejo reprimido”, às manifestações incuráveis (?) da neurose, ao recorte dos sonhos, ao medo do abandono, às ansiedades e agressividades, convertidas ou não em violência, aos fantasmas do pai, aos ecos da infância e toda a infinitude de sensações e ambivalências presentes em Jonas, Glória, D. Senhorinha, no caso da peça, ou em Jack, Marla Singer e outros tantos, que nada mais são que recriações personificadas, bonecos empalhados, tessituras em argila, repletas de lógicas simbólicas, associadas à figura do ser humano coisificado, reificado pelo consumismo-alienado ou pela rede patriarcal, inserida, algumas (?) vezes, de modo perverso em nossas vidas.


Se levarmos em conta a conversão Nietzschiana da “arte como proteção da vida” (entendida como sobremesa) para a “arte como um princípio vital” (entendida como prato principal) traçaremos uma pincelada na atitude do filósofo que considera ser essencial ao artista, e porque não dizer ao homem comum, feito Jack, Nono ou Bourgeois, enveredar-se na condição de criador de sua própria existência, na condição de se auto atribuir potencialidades, entendidas como verdadeiras obras primas, ao invés de, feito uma espécie de consolo metafísico, utilizar a arte simbolicamente como um recurso de salvação, cura, sublimação (para usar um termo da Psicanálise) ou de consolo. No entender de Nietzsche, tal postura da arte utilizada pelo viés do consolo, seria apenas um retorno do prazer e não um propósito vital de colocar-se em cena, frente a frente consigo, nesse teatro imaginário ou não, a fim de superar pormenores mesquinhos e se tornar verdadeiramente aquilo que se é, apesar das fraquezas, tão inerentes a qualquer ser humano. Para Nietzsche, o cultivo permanente de si é algo aprazível, possível a partir do momento em que o artista, ou o homem comum, faz de sua própria vida uma obra de arte e não apenas utiliza a arte como uma muleta consolatória, como um band-aid psíquico. Nietzsche é pela VIDA, assim como Bourgeois, Nono ou Tyler Durder, apesar de incompreendidos pela banda recalcada dos desafinados que toma a vida pelos braços de forma violadora, a fim de, cônscios ou incônscios, darem vazão às suas esculturas incuráveis ensanguentadas, aos seus pesadelos fantasmagóricos, aos seus “totens de ausências”, às suas topografias sensoriais claustrofóbicas, aos seus discursos emocionais aleijados, feito mulheres partidas, às suas excessivas preocupações com as coisas que lhes possuem, tornando-lhes subprodutos de uma obsessão.

No entender de Nietzsche, o desconforto, a inquietação, o desolamento fazem parte, sim, desse imenso abismo da loucura humana, mas, mais do que isso, há que se lançar à VIDA, utilizar, sim, a arte como uma função catártica, senti-la, sim, como uma forma de sanidade, mas, mais do que isso, insiste o filósofo, tomado pela emoção, pela transfiguração, tornar orgânicas as formas suspensas em nosso inconsciente, e, pela vontade de potência, desconsiderando justificações ou legitimações metafísicas da existência, lançar-se à esse “prato principal” que é a VIDA.


(Isso é uma ironia!)

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