"Memória da cana"

Inspirado na peça teatral "Memória da cana" e no livro "Casa-Grande & Senzala".




E dá-se, então, o ciclo obsessivo do enterrar o falo atrofiado na carne da terra!

Em sangue, suor e calos, a cana soterrada aguarda seu momento fetal para fazer brotar-se em perversidades secretas a serem rejeitadas pelo abismo solitário das dependências serviçais.

No cuspe da animalidade cresce o palo seco a verdejar infame uma sociedade patriarcal onde cada folha é uma pessoa, personagem de si, a rufar os tambores de sua existência sob a ardência sinestésica de um sol ressentido.

E no auge do broto reprimido de vida, desejos secretos são tolhidos à golpes certeiros nessa colheita emporcalhada de feiura compulsiva.

Chega-se ao tempo da moagem Gloriosa!

Feito um mistério encadeado na ladainha incestuosa, espreme-se o caldo desse maracatu até tornar sequestrado, em moldes acomodados que habitam esse ninho, todos os segredos da família.

No pulsar desse coração mutilado, um ninho de cobras envolto em palha se desequilibra: é a casa-grande! Rústica, fétida, despindo os olhares, por entre as teias voyeurísticas, de uma fala cuspida, de uma santidade oca talhada em fogo, de uma castidade amorfa, feito folhas encardidas de uma bíblia velha.

Tudo sugado, tudo encolhido, posto neste caldeirão dionizíaco a borbulhar o caldo de transfigurações, purgando culpas, fervendo pecados, alquimizando instintos-defensivos-alienados e animalescos.

E nesse tronco ensanguentado cabem as figuras do pai, do filho e do espírito casto que emoldurados em grossas paredes tornam as visões de fogo, apadrinhadas de chão, um espetáculo trágico, em que a ansiedade de SER continua pregada na cruz... e estar fora desse engenho é existir desentendido, vibrando, de tempos em tempos, um lembrete: algo doce está fora do lugar e precisa ser exportado desse latifúndio que é nosso coração!

Um comentário:

Yoga Café disse...

Forte, alegorico e, ao mesmo tempo, fluido. Ótimo post!