ARTAUD I - Magnólia / Cegueira

Certa feita, uma Amiga disse algo assim (não recordo a frase exata, apenas a ideia), em uma dessas reuniõezinhas fadadas ao fracasso, quando pensávamos sobre uma possível resolução de determinadas situações no trabalho:

- "Se quisermos estreitar os laços... Estejamos preparados para nos colocar em crise uns diante dos outros".

Imagino que ela não se lembre!

(Enquanto juízo de realidade, sua fala, é fato, uma vez que é uma ideia.
Enquanto juízo de valoração... Em certo sentido, sim, é uma verdade; em certo sentido, questionável...
Foquemos, dessa vez, na 'peste' artaudiana!)

Como "não estou aqui pra explicar, mas sim pra confundir".
E como, pela confusão, as pessoas tentam organizar o pensamento, segue...



Antes de enveredar pelas considerações de que o Teatro sacode a inércia asfixiante de uma vida como amostra-grátis de um subproduto, Artaud nos remete a uma descrição “esquecida” no tempo: trata-se da peste que chega (?) à cidade de Cagliari, desmoronando a ordem social. Artaud afirma que “sob a ação do flagelo, os quadros da sociedade se liquefazem”, uma vez que entende ser a doença uma espécie de entidade psíquica que compõem um espetáculo de desmoronamento comportamental da ordem, através das estranhezas, mistérios e contradições inerentes à peste, que transmuta os valores, trazendo em si a gratuidade das ações.

Assim como o humano, inserido no contexto da peste, o ator deve, também, imbuído dessa gratuidade, perseguir sua sensibilidade, feito um poeta que inventa, delirante, seus personagens e ações. Talvez seja possível dizer que a peste está para a “desorganização”, assim como a poesia e o verdadeiro Teatro estão para uma força espiritual sensível. Importa ao Teatro que seja um delírio comunicativo, que aja sobre a coletividade transformando os sentidos viciados, que traga algo de vitorioso e vingativo em si e coloque à mostra as feridas humanas escondidas pela lógica instrumental de uma subvida hipócrita, alienada, reducionista, fadada à derrota do espírito.

O Teatro-peste reencontra os poderes da natureza, exorciza a cegueira coletiva, restituindo os conflitos adormecidos, quando faz travar batalhas de signos no interior do espírito humano. Este Teatro é essencial porque é a própria revelação a liberar forças, desencadear possibilidades, resolver crises pela morte ou pela cura, purificando a alma, convidando o humano a assumir uma atitude heróica e superior, tornando-o aquilo que ele é ou deveria SER.

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