ARTAUD II - Chaplin

Novamente, antes de dar as primeiras pinceladas na aura da teatralidade e afirmar que conseguir expressar aquilo que habitualmente não se expressa é conseguir ENCANTAR PELA ATIVIDADE IMPREVISÍVEL, Artaud nos leva à interpretação de uma espécie de harmonia visual de um ato imagístico inserido na metafísica da obra “as filhas de Loth”, de Lucas Van Den Leyder.

"As filhas de Loth" (1525-1530: óleo sobre madeira) - Lucas Van Den Leyder.

Considerando que tal imagem revela uma espécie de “luz da alucinação”, de um “dilaceramento sonoro” e de “ecos amortecidos” no espírito humano, o autor nos desvenda pontos de referência de uma eficácia concreta da imagem, quando afirma que isso ocorre graças à potência do quadro vir de uma manifestação metafísica.

Mais do que dizer que o teatro deveria ser como a imagem apocalíptica de Leyder, Artaud problematiza o cerne da teatralidade, quando questiona o porquê de que tudo quanto é expressividade é deixada de lado para valorizar o diálogo e a palavra. Segundo ele, a palavra pertence ao livro, não ao teatro; a palavra só é verdadeiramente teatral, quando escapa à linguagem gestual, quando a linguagem gestual não consegue comunicar. O gesto, por assim dizer, é a linguagem física do palco, que ocupa a cena e se dirige aos sentidos para satisfazê-lo.

Para que isso ocorra de forma efetiva se faz necessária a poesia do espaço, que consiste em deixar espraiar na cena, a música, a dança, as artes plásticas, a gesticulação, a entonação, a luz, a mímica, a pantomima; todos esses elementos, ou aspectos, possuem um grau de importância à partir do momento em que se mesclam na ressaca das ondas em cena. Para Artaud, a ditadura da palavra negligencia a arte e, tal situação, nada tem a ver com a encenação, uma vez que encenar não é utilizar a palavra para comunicar.



Uma vez que o mundo ocidental privilegia a palavra, entendida como uma forma rigorosa para o entendimento das coisas, perde-se o que há de poético no humano, tornando-o algo provisório, reduzido, material-articulado a empobrecer toda a potencialidade da verdadeira valoração metafísica e profunda do homem-poesia que, por expressar o que habitualmente não se expressa, consegue, feito um afastamento da perversão, encantar a orla astral da possibilidade humana.

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