ARTAUD III - 1.99




Artaud, em seu prefácio “O Teatro e a Cultura”, sinaliza ao leitor que, na realidade, a cultura existente não coincide, talvez, arrisco dizer, de forma nietzschiana, com a vida; mas que é dirigida e conduzida de maneira artificial, gerando uma espécie de ruído na comunicação entre o que deveria ser a Cultura e o humano sensível.

Indignado com a falta da magia na Cultura, afirma que contemplamos nossos atos, consideramos demais as situações, idealizamos ao invés de vivê-los; esta lacuna no espírito humano gera uma espécie de infecção que acaba por destruir o que há de divino e mágico em nós. Tendo corrompido o Divino, por agir dessa maneira, Artaud afirma que nada mais adere à vida, o poético desaparece, uma vez que somos impotentes de possui-la. Acredita que a intensidade da vida está intacta, mas que, pelo medo, não a dirigimos tornando-a preguiçosa, inútil e atroz.

Protesta, o autor, contra a idolatria dessa falsa cultura desligada da vida. Protesta contra a separação entre Cultura e vida. Para ele as verdadeiras Culturas são aquelas em que se exercem a Vida! Em determinado momento do texto afirma que não se importa com que ocorram cataclismos culturais e que essas culturas violentadas se percam, pois “a faculdade de reencontrá-las nos será tirada por algum tempo, mas não se suprimirá a energia delas. E é bom que desapareçam algumas facilidades exageradas e que certas formas caiam no esquecimento; assim, a cultura sem espaço nem tempo, e que nossa capacidade nervosa contém, ressurgirá com maior energia.”

Critica essa espécie de museu que aprisiona os deuses, símbolos das Culturas que verdadeiramente pulsam energia, de onde minam rios do existir sensitivo. Tornar os deuses acorrentados, enjaulados, feitos souvenires de uma cultura frígida tornam o humano uma espécie de estátua degradada em que prevalecem uma orla de servidão coletiva, de castração da potência criativa, de marginalização do existir na afetação profunda do ser. Agindo feito “civilizados orgânicos”, o humano é empurrado à obsessão do olhar, do possuir, do controle e, daí ser tão complicado, e aparentemente impossível, acordar para o sonho, entendendo o sonho como algo que transborda em criação, em exercer a vida de maneira livre e poética.

Quando escreve sobre o Teatro, Artaud cria pontes de possibilidades com o intuito de fazer renascer a encenação autêntica, não violada, viva, infinita em fronteiras artísticas. Servindo-se das sombras, muitas vezes, o verdadeiro Teatro sobrevive às formas, quando se despe das linguagens atrofiadas tão comuns no teatro latino, ocidental, europeu de sua época; o ator que quiser alcançar o que sobrevive às formas deverá servir-se de outras linguagens, que no entender do autor, são linguagens mais elaboradas da comunicação sensitiva, tais como os gestos, os sons, o fogo, o grito, a entonação, a mímica, as atitudes, abstrações, manifestações que não valorizam apenas a palavra falada, tão fadadas à perdição, mas as manifestações que rompem a linguagem para tocar a vida e tornar o homem senhor daquilo que ainda não é. Afirma esparramando sua poeticidade: “quando pronunciamos a palavra vida, deve-se entender que não se trata da vida reconhecida pelo exterior dos fatos, mas dessa espécie de centro frágil e turbulento que as formas não alcançam.”

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