estoriazinha ao som

Tudo começa com uma canção inesperada.
Dedilhados escorrem sons azuis e pedem para que as ruas não se apaguem na caminhada da ajuda aberta de quem esta voltando para casa solando seu caminho sedutor e lento.
Na noite nada é possível sem que haja pérolas brilhantes lá no céu negro do mundo, que utiliza o enxame para fazer festa em torno da luz, que você acende na varanda para sentir o gosto da brisa na madrugada intraduzível e ecoante.
Observa os traços das árvores ao longe.
Tudo escorre silencioso...
Até o cão passa de um lado para outro com seu passo triscando o chão, que fixa suas pegadas em forma de bolinhas.
Deve haver alguma mulher gritando agora.
Sim, alguma criança nasceu escandalosa nesse instante.
Que meigo é o grupo de médicos e enfermeiros cuidando daquele novo ser ensangüentado. Veja o suor na testa da mãe sorridente...
Ela diz algo sem força na voz...
Mas dentro, tudo queima de emoção...
Nada mais cabe em suas sensações, por isso fecha os olhos e fim.
Quem precisa ouvir tiros essa hora?
Passos de gangues latejam próximos do muro de concreto...
Mas que nada, mesmo elas contam suas patacas doridas até que uma canção distante de morte acalente a tensão.
Tudo é força nesse momento de pausa e reflexão.
Sobe alta a gota de orvalho até tocar a lua (espelho da Terra) e voltar para a década de 50, onde corais se formavam à beira dos terminais em busca de atenção alheia.
Chega o ônibus...
Todos entram, mas na primeira esquina, o motorista perde o controle, grita e explode aquilo que sempre conduziu.
Chega a policia de mãos dadas em carruagens brancas.
Olhares são de boas vindas, as vozes são cálidas e oferecem café aos espectros chorosos.
O velho mendigo: “bum-bum, bang-bang”...
Saca sua língua e tinge o ambiente de emoção como num solo das antigas, feito um membro do Pink Floyd.
Pronto.
Teve seu momento de glória.
Alguém na platéia grita algo e a música acaba.
Abro os olhos, escuto pássaros e uma garotinha olhando para o céu vermelho de desespero.
Anjos descem lacrimejando incidentes e tudo se torna belo quando perguntam o que aconteceu na noite passada com o céu que era azul.
O que aconteceu enquanto acariciávamos os rios?
Dizem adeus e segue o alto-falante.
Venta.
Venta pouco, mas intensamente.
Tudo o que se ouve é a volta dos soldados feridos, cansados e alegres.
Alguns carregados em macas e uma bandeira rasgada à frente de todos.
Perderam a guerra.
Mataram.
Choraram e agora estão loucos, mas felizes por abraçar seus velhos pais que os esperavam calmamente.
Tocam as trombetas da impossível historia humana e carregam a angústia na garganta, como algo que pode silenciar.
Tudo é canção, como sempre foi à beira da praia em sua delicadeza de espuma e areia cintilante que não vê uma alma há séculos.
Silêncio.
Só o mar existe em som.
Nem o vento ai existe.
Às vezes toca o sino, sempre contínuo e barítono como se tudo fosse recomeçar e você deve-se ir a padaria comprar pão fresco para sua família sonolenta.
Como se você deve-se dizer bom dia e enxergar a grama verde refletida no olhar do padeiro com cheiro de trabalho.
O sino toca incansável do outro lado.
Caminha, volta de esquina em esquina, até sua casa.
Todos te esperam ao redor da mesa com um sorriso de família feliz, até que se ouve o choro da criança no berço eternamente.
Os cães enrolam-se pelos panos no frio da alvorada.
Dizem boa noite e recolhem-se depois de uma longa madrugada.
As pulgas também dormem.
E tudo mais é calma no jardim das flores.
Evapora a gota novamente, flutuando pelo espaço em busca do som e do grito repentino.
Desfaz-se em cores desvairadas até que o cavalo assusta-se lá no pasto dizendo para não ficar sozinho com a vastidão do mundo.
Dilata sua narina e pensa:
Não me deixe agora, como você pode saber do que eu preciso?
Aquilo soa feito eco de um corredor vazio.
Velhos à espera...
Tudo negro e vermelho.
O desespero toma conta e agita o ambiente.
Loucos pelo chão perguntam porque nasceram.
Ouve-se o rádio antigo fofocando suas noticias de sempre.
Mamãe ama seu bebe e o papai ama também.
Oh, o bebê e azul e feliz...
Tão ironicamente respira seu sono em cobertores burgueses e limpos.
Mal sabe o que o aguarda!
Nada.
Apenas o gume de guitarra na juventude breve e um abismo a sua frente, além de um suspense que não acaba.
Mas o que importa?
Nada o espera, a não ser o álbum da mamãe e o nada.
Passa tempo...
Feito um deus que sorri do assobio humano para chamar as crianças.
Passa tempo...
Passa...
Aguarde em expectativa, a crista da onda será breve e morrerá na agitação do mar revoltoso pelos ares movidos pelo helicóptero traiçoeiro das tropas inimigas.
Um sorriso e duas questões:
Quem precisa de educação?
QUEM PRECISA DE CONTROLE?


São Paulo, 10 de março de 2004

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